Você com certeza já ouvi falar das Frentes Parlamentares. Elas são vulgarmente conhecidas como Bancadas. Bancada da bala, bancada do boi, bancada da bíblia, etc.
Mas para que serve uma frente parlamentar? Citando diretamente o site da Câmara dos Deputados:
“Frentes Parlamentares são associações de membros do Legislativo Federal de vários partidos que decidem se juntar para promover o debate e a legislação sobre determinado tema de interesse da sociedade.”
O Nexo Jornal procurou entender melhor como os partidos estão dispostos nas Frentes Parlamentares e como isso indica o interesse do partido por um determinado tema na matéria “A presença dos partidos nas frentes parlamentares” publicada em 15 de maio de 2017.
Recomendo que deem uma olhada nos gráficos presentes na matéria e depois voltem para esse texto. Lá eles mostram algumas frentes: Segurança Pública, Agropecuária e Controle de Armas são alguns exemplos.
Depois de ler esse texto me veio a pergunta: será que existe uma bancada da ciência?
A resposta: sim! A Frente Parlamentar da Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação é coordenada pelo Deputado Federal Izalci Lucas (PSDB-DF) e possui 227 dos 513 Deputados Federais. Mas antes que você fique animado, vamos analisar os dados.
Seguindo a mesma ideia do Nexo Jornal, fiz um gráfico para vermos a distribuição e afinidade dos partidos por essa Frente Parlamentar.

Legenda: Presença dos parlamentares em relação a média (ver matéria: A presença dos partidos nas frentes parlamentares para entender como os gráficos foram feitos).
Primeiro vamos ignorar os extremos. Partidos como Partido da Mulher Brasileira (PMB), Partido Ecológico Nacional (PEN, atualmente Patriota) e Partido Republicano Progressista (PRP) possuem poucos deputados federais e apresentaram valores máximos de menor ou maior afinidade.
Analisando os três maiores partidos do país, observamos que PT e PSDB possuem maior afinidade pelo tema (0,05 e 0,10, respectivamente) e o PMDB (atualmente MDB) uma menor afinidade (-0,30). Olhando para os números totais, 27 dos 58 deputados do PT compõem a bancada da ciência, 23 dos 47 deputados do PSDB e 20 dos 65 do PMDB.
Agora olhando para as contradições. Partidos como o Partido Republicano Brasileiro (PRB) e Partido Social Cristão (PSC) apresentaram altos valores de maior afinidade (0,41 e 0,58). Em números totais, 15 dos 24 deputados federais do PRB compõem a bancada da ciência e 7 dos 10 deputados do PSC. Mas, você pode perguntar, onde está a contradiação?
Partidos e parlamentares religiosos podem e devem se envolver nas políticas científicas, entretanto, se analisarmos que ambos os partidos possuem as maiores afinidades pela Frente Parlamentar Evangélica (Bancada da Bíblia) e que essa frente foi responsável por apresentar e votar projetos como o da “Cura gay” e a proibição do aborto em qualquer situação, ignorando completamente anos e anos de pesquisa científica em relação a sexualidade e as taxas de morte por abortos clandestinos.
Também tenho que citar o Projeto de Lei 4.639/2016 que autorizou a produção e uso da Fosfoetanolamina (Pílula do Câncer) em pacientes antes mesmo do término das pesquisas que estavam sendo realizadas com financiamento público. Esse PL como um todo é uma total negação da ciência brasileira. Apesar de dois dos autores serem do PSC e um do PRB, ele também contou com parlamentares do PT, PSDB, PDT, PSB e outros tidos como maior afinidade pela temática da ciência.
A conclusão final de tudo isso é que a Frente Parlamentar da Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação não existe na prática. Como representante dos interesses da ciência brasileira, ela não tem utilidade, não tem força política para determinar uma votação ou articular qualquer coisa. Na minha opinião, é só mais um conjunto aleatório (ou não aleatório) de deputados.
Acredito que existam parlamentares genuinamente preocupados com essa temática e o que devemos fazer é colocar mais desses lá. Então, nessa próxima eleição, escolha bem seus candidatos para o Legislativo e os questione sobre quais são suas propostas para ciência brasileira.
Luciano Queiroz, criador do podcast Dragões de Garagem, doutorando em Microbiologia pela Universidade de São Paulo e integrante da Bancada Ativista. Pensando em como colocar CIÊNCIA nas eleições de 2018.
(Fonte da imagem utilizada na vitrine: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/imagens/2016/almoco-com-a-frente-parlamentar-agropecuaria-fpa )
voces podem indicar deputados e governadores com o propósito de defender pesquisas científicas? ou alguma forma de encontrar esses deputados pela internet?
Olá Victor, obrigado pelo comentário.
A eleição desse ano ainda está se desenhando, temos que esperar mais um tempo para saber quem serão os candidatos para legislativo e executivo. Assim que tiver mais definido iremos pensar algumas atividades/ações para jogar essa pauta nas discussões das eleições 2018.
Abraço.
Resumindo, exite de nome mas não de coração. O questionamento que fica é realmente o que pode ser feito para que essa bancada seja composta por políticos que entendam e defendam a ciência. Otimo texto!
Obrigado pelo comentário Felipe.
É bem isso que você disse, os nomes estão lá, mas a pessoa realmente interessada não.
Sobre o que podemos fazer. Essa é o desafio. Sabemos que essa pauta DEVE estar nas eleições desse ano, mas como colocar e mantê-la depois das eleições com os eleitos. Tenho pensado bastante nisso e vou querer a ajuda de vocês.
Abraço.
Você acredita que a questão é falta de boa intenção?
“Boa intenção” é uma coisa rara em política né? Não vou dizer que não existe porque seria muito determinista da minha parte. Entretanto, vejo poucos parlamentares interessados pela pauta da ciência por não ser um assunto que traga votos ou ministérios ou cargos em algum gabinete.
Minha pergunta foi um pouco retórica, se você perguntar para os políticos “você acha investimento em ciência importante?”, 99,99% vão falar “sim”, por mais que ignorem completamente o assunto.
Até uma pessoa chegar a ser candidato, ele já passou por uma peneira de filtros e deve favores para muita gente, além de estar comprometido com pautas que geram capital político.
Infelizmente esse sistema de lobby não está longe do ensino superior, a expansão das universidades federais, que é recorrentemente evocado como “positivo”, seguiu muito mais uma agenda política do que racional.
O ciência sem fronteiras é um dos exemplos mais claros, ninguém sabe explicar onde o programa ia chegar com aquele “modus operandi”.
Eu sei que vocês admiram a pessoa, e eu não tenho nada de mal para falar sobre a pesquisa, mas Nicolelis se mostrou um tremendo “lobista de própria causa”, desde que soltou o “manifesto da ciência tropical”, com a pretensão “ditar a agenda mundial neste século XXI”, segundo o próprio …
Dentro desse panorama, “jogar dentro jogo” ou tentar fazer “lobby da ciência” parece extremamente frustrante…
Não deu para entender que era retórica, foi mal.
Concordo com tudo que você apontou. Não somos fanboy do Nicolelis, relaxa. Eu acho que ele fez a parte dele, vendeu o peixe, fez o lobby dele e tem seus méritos. Tiveram muitos problemas no meio do caminho, que não vou entrar em detalhes, mas ele tentou.
Minha opinião é que os cientistas têm que aprender a jogar o jogo da política. Enquanto estivermos de fora nunca vamos ganhar nada. Obrigado pelo comentário.
Você já teve contato com pesquisadores com influência na política?
Sim, com alguns. Posso dizer que também tenho um pouco de influência política, mesmo tendo pouco tempo de atuação.
Eu desanimei só de levantar o histórico, nem sei se é o caso de ir levantando nomes específicos, mas até a FAPESP, que amamos, tem umas histórias complicadas de lobbagem e influência…
O que me deixa um pouco desapontando é que a pauta pelos planejamentos e planos para o desenvolvimento da ciência no país será uma das que menos terá peso na decisão do eleitor “médio” brasileiro.
Vc passa a maior parte demostrando a composição e as características da “Bancada da ciência” e no fim concluí que ela não existe, seria melhor colocar um “Na prática NÃO” no começo do texto para evitar que uma leitura pela metade deixe o leitor com a impressão oposta do que se pretende com o texto.
Entendeu seu ponto, mas tenho que apresentar os resultados da análise. A minha intenção foi apresentar os dados, mostrar que ela existe formalmente, mas não prática não. O mecanismo legal existe (Frente Parlamentar), só precisa ser melhor utilizado. Se eu colocar logo no início um “Na prática não”, o restante do texto se torna desnecessário e a pessoa irá parar de ler na metade. Elas provavelmente já param de ler na metade, mas pelo menos exponho os argumentos que demonstram uma conclusão contrário ao o que a imagem nos induz a pensar.
Várias pessoas já apontaram esse problema e vou pensar melhor na estrutura do texto. Mas eu espero que as pessoas leiam até o final e entendam o meu ponto. O texto não é longo, a linguagem é fácil e os gráficos e dados são simples de entender.
Esse é um problema que a internet ampliou mas nem de longe é novo. Muitas vezes o texto induz a uma conclusão oposta a intenção original do autor, um caso clássico é o poema “The Road Not Taken”
https://www.youtube.com/watch?v=sBlFwqq_qCw
Legal. Vou assistir. Mas me diz aí, o que você sugere para melhorar o texto? Além de colocar a conclusão logo no início.
Eu trabalho numa Assembleia Legislativa, o fato de existir uma Comissão de Ciência e Tecnologia não é novidade para mim. O problema é que novamente o titulo induz ao erro, muitas vezes os deputados estão mais interessados em atrapalhar do que em ajudar, como foi o caso do Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos.
“(ou não aleatório)” disse tudo…. 😀